quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Sem livros na prateleira

Drogaria que mantinha livros para a clientela usar, sem custo, é obrigada a retirar o material
Leilane Menezes


Medida é questionada por escritora que trabalha com incentivo à leitura
Vânia Diniz (D) com o marido, Paulo Diniz, também escritor, lamenta: "Muita gente chega a uma farmácia precisando de apoio emocional" [Foto: Carlos Silva/Esp.CB/D.A Press ]
Era pouco antes do meio-dia, na terça-feira da semana passada, quando uma fiscal da Vigilância Sanitária do Distrito Federal entrou em uma das farmácias da 302 Sul. Entre duas prateleiras de remédios, ela avistou quatro estantes cheias de livros. Depois de investigar o motivo de os exemplares estarem ali, a mulher descobriu que se tratava de uma biblioteca comunitária.

A fiscal, então, preencheu uma notificação, destinada ao dono da drogaria, estabelecendo o prazo de cinco dias para a retirada dos livros daquele ambiente. Explicou que a presença das publicações vai contra a lei federal que regulamenta a atividade das drogarias. E não abriu possibilidade de negociação (veja Nota da Vigilância Sanitária). A notícia surpreendeu a idealizadora do projeto de incentivo à leitura, a escritora Vânia Diniz, 68 anos, moradora da Asa Sul. O pequeno espaço literário tinha mais de 100 unidades expostas.

Machado de Assis, José de Alencar, Rachel de Queiroz e muitos outros escritores tiveram suas obras incluídas na coleção. Não só a literatura tinha vez: apostilas de concursos públicos também podiam ser vistas ali. Toda essa riqueza era oferecida aos clientes da farmácia, sem nenhum custo. Quem quisesse levar os livros para casa, tinha autorização. Várias pessoas também doavam novos títulos, como forma de incentivar a corrente de leitura. Com receio de ser multado, o dono do comércio, que pediu para não ser identificado, seguiu a instrução da fiscal, embora discordasse dos argumentos para retirar os livros.

A farmácia da 302 Sul, portanto, continua com sua destinação original, a de oferecer produtos que ajudem na cura de diferentes tipos de enfermidades. Palavras e pensamentos impressos — que, muitas vezes, podem trazer conforto espiritual ou emocional — não estão mais disponíveis ali. “As pessoas faziam um intercâmbio cultural enorme. Muita gente chega a uma farmácia precisando de apoio emocional. Os livros diminuíam a frieza do ambiente”, afirmou Vânia.

A escritora não concorda com as explicações da vigilância. “Tem biblioteca em açougue, em um monte de lugar. Que mal os livros podem fazer? Estragar os medicamentos, que são hermeticamente fechados e difíceis até de abrir? Seria ácaro? Seria poeira? Não aceito esses argumentos. Tenho certeza que faltou sensibilidade ao agente público. Estou de luto com essa atitude, realmente decepcionada”, protestou.

Paixão
Desde criança, a escritora alimenta o amor pelo ofício. “Meu avô, Raimundo, era escritor. Na casa dele, o Rio de Janeiro, eu conheci gente como Rachel de Queiroz. Fiquei fascinada por esse mundo e me dedico a ele desde então”, contou a carioca, que vive em Brasília desde 1969. Quando retiraram os livros da farmácia, Vânia diz ter tido a sensação de ver um filho sendo machucado. “Alguns dos exemplares ali levavam meu nome. O projeto era uma ideia minha. Fiquei muito abalada com essa rejeição.”

A biblioteca da farmácia não era a única mantida em um local inusitado e montada por Vânia, com ajuda de seu marido, o escritor de livros técnicos Paulo Diniz, 75 anos. Ela também inaugurou pontos de leitura no salão Marilene Cabeleireiros, na 414 Sul; na oficina mecânica Escapamento Melo, na 702 Norte; e na escola É DAC, na QL 6/8 do Lago Sul. Neste último local, há mais de 450 exemplares.

“Tenho a impressão de que as pessoas falam muito em leitura, mas leem muito pouco. O povo não está lendo. Isso me incomoda muito, porque a leitura é uma das maneiras mais eficazes de tirar alguém da exclusão do conhecimento”, avalia a escritora. Vânia lembra que, quando os livros chegam perto das pessoas, elas podem se interessar pelo universo da leitura. Assim ocorreu com a cabeleireira Tatiana Santos, 25 anos, moradora de Valparaíso. Quando viu os exemplares distribuídos por Vânia no local de trabalho, ela teve a curiosidade despertada e decidiu folhear um livro, como há muito tempo não fazia.

“Eu sempre gostei de ler, mas não tinha muita oportunidade para estar perto do livro. Agora, tenho esse costume. Levo para ler no ônibus. Gosto de poemas”, relatou Tatiana. Assim como ela, outras oito colegas do salão e as clientes também criaram gosto pela literatura. Mesmo diante da decepção, Vânia não desiste de espalhar conhecimento. No que depender dela, os livros estarão por todo lugar.

Pioneira dos imortais
Rachel de Queiroz nasceu em Fortaleza (CE), em 1910. Escreveu romances, entre eles Memorial de Maria Moura, que virou minissérie exibida pela TV Globo em 1994, protagonizado por Glória Pires; crônicas e peças teatrais. Em 1977, Rachel tornou-se a primeira mulher a ser eleita para a Academia Brasileira de Letras. Morreu em 2003, enquanto dormia na rede, em casa, no Rio de Janeiro.

Vânia Diniz
Tem 15 livros publicados. É presidente da Academia de Letras do Brasil, pertence ao Sindicato dos Escritores do DF, à União Brasileira de Escritores e à Rede de Escritoras Brasileiras. Mantém o site www.vaniadiniz.pro.br, no qual divulga as próprias obras e as de novos autores.

Nota da Vigilância Sanitária
“Realmente, a fiscalização da Vigilância Sanitária esteve no local, solicitando a retirada dos livros. Isso ocorreu pelo fato de o funcionamento de uma exposição de livros dentro de uma farmácia ser proibido por lei. De acordo com a norma RDC 44/2009 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a Lei Federal nº 5991 de 1973, drogarias só podem expor e comercializar remédios. Qualquer outra mercadoria vai contra a lei e deve ser retirada”.

Fonte: Correio Braziliense


Querida Vânia, fico triste com a postura da vigilância sanitária, mas só tenho a aplaudir a sua. Pessoas como você fazem a diferença. Meu apoio e parabéns! Ao pessoal bur[r]ocrático da vigilância sanitária deixo a frase de Monteiro Lobato para que possam refletir: "Um país se faz com homens e livros".

7 comentários:

  1. Betta,
    Obrigada pela publicaçãoe comentário.
    Não vou esquecer essa demonstração
    de carinho e cada vez mais a admiro.
    Beijos
    Vânia

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  2. Comentário da Escritora Urda Alice klueger

    Vânia, minha querida:
    Esta é, realmente, uma notícia triste. Meu apoio incondicional à sua dor e ao seu luto - e que essa gente que provavelmente não teve
    a chance da instrução possa repensar a situação e permitir que aquela farmácia volte a iluminar-se com a sua biblioteca!
    Muito carinho,
    Urda Alice Klueger

    22 de fevereiro de 2011 17:11

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  3. Enquanto em nosso país não estimularmos e defendermos a educação,a cultura e a leitura,ficaremos à mercê de muitas ignorâncias,as nossas próprias e a dos outros.
    Lamentável e vergonhoso episódio.
    Patricia Mich

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  4. Fala sério! Tanta coisa pro povo se preocupar... afff

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  5. O Absurdo é a gente ver uma farmácia fazendo este benefício á poupulação e outras como a Rede Araujo em BH vendendo de ração de pombo, a revista, carvão para churrasco, material escolar, ovos de Páscoa, revelação de fotos, gente que país é esse?!
    Pior é que na Araújo pode ter televisão com propaganda, mas quando uma drogaria faz uma biblioteca gratuita para população de baixa renda é proibida!

    Olha as fotos aí da Araújo:

    http://www.shoppingdevendanovabh.com.br/lojas/fotos/convservicos_araujo.jpg
    http://www.jchebly.com.br/wp-content/uploads/araujo-copy.jpg
    http://www.sm.com.br/publique/media/2008_ed12_pag052_a.jpghttp://www.dicaslegais.net/wp-content/uploads/2010/07/ph-loj12.gif

    Fabian Laszlo
    www.laszlo.ind.br
    www.ibraromtologia.com.br

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  6. Que absurdo, Fabian. Vi as fotos, é realmente um disparate.

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  7. Belo trabalho...lindo Blog...venha me visitar comente meu Blog e siga se for possível...

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